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sexta-feira, 15 de abril de 2011

Sobre a tragédia do Realengo

Publico abaixo parte de uma crônica de Frank Wagner que lança algumas luzes para iluminar o fundo do poço por que passa a humanidade no dias atuais. Wagner não nos responde, melhor, ele pergunta sobre o fenômeno e isso sim, é fundamental para a nossa compreensão. Dediquemos alguns minutos a pensar sobre isso.
Paulo Maciel

Ainda Sobre Realengo

Queridos(as) leitores(as); gostaria de complementar essa semana o assunto mobilizou o país e o mundo e que foi o tema da coluna passada. Por ser extremamente polêmico, e por ser da natureza humana meditar e aprender sempre com os erros, alguns alertas foram então emitidos pela insanidade covarde perpetrada contra as crianças de Realengo.
Cumpre insistir, que o modelo de sociedade em que estamos mergulhados é absolutamente inadequado para um desenvolvimento saudável da psique humana. Não se pode querer que uma sociedade que prega o sucesso a todo custo, que não valoriza a solidariedade e o altruísmo, que baseia suas premissas apenas no individualismo do 'livre mercado', e que prega um consumo insuportável e com tensões ambientais insanáveis, seja uma sociedade de pessoas mentalmente equilibradas em sua totalidade.
A busca pela juventude eterna e a ilusão do sucesso inalcançável geram desequilíbrios patológicos cada vez mais observados, e que agora chegaram aqui na forma de ataques covardes a crianças em sala-de-aula. Parece haver uma ilusão nativa provocada pela leitura equivocada de Gilberto Freyre de que o brasileiro - por ser um homem cordial (usado por Freyre no sentido de ter emoções muito à flor-da-pele, e não de ser bonzinho ou agradável) – sentido de  teria uma diferença qualitativa superior intrínseca em relação aos outros povos (como por exemplo, o fato de ser latino o tornaria mais expansivo e hospitaleiro).
Bem, parece-nos que a mesma régua que mede os de lá, mede agora os daqui, pelo menos no que diz respeito às patologias inatas ou adquiridas. Em colunas anteriores tenho alertado para o fato de que coisas assim poderiam ocorrer, pois o nível de frustração acumulado como pressão infelizmente rompeu o invólucro em que estava confinado, explodindo em conseqüências impensáveis.
Lembro-me de um fato ocorrido quando há alguns anos o Corinthians foi rebaixado para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro de Futebol. Havia uma comoção generalizada em campo, pessoas que nem sequer se conheciam choravam abraçadas.
Foi o resultado em si que provocou tudo aquilo? Claro que não! Ali foi apenas a espoleta que detonou o processo, pois a grande maioria daquelas pessoas leva uma vida cheia de frustrações pessoais: queria um bom emprego... não teve; queria ser reconhecido... não foi; queria dar melhores condições de vida à família... não foi possível; e agora a única alegria, o time de futebol... Bem, aí então ele não consegue agüentar; é muito fracasso para um ser humano só; e, além disso, a mídia faz questão de levar a alienação ao grotesco, ao inaceitável por pessoas de que tenham sensibilidade.
 O assunto é muito complexo e traz de volta as velhas discussões: "O homem é bom, a sociedade o corrompe" (Rousseau, J. J.); ou "O homem esquece mais rápido a perda do pai do que a perda do patrimônio" (Machiavelli, N.); derivadas ainda do platonismo e do aristotelismo. Mas, talvez a resposta correta deva ser procurada em outra direção; um pouco incompleta devido ao contexto histórico em que foi produzida, mas ainda ecoando, e forte, em nossos ouvidos: "Não é a consciência que determina o meio material, mas o meio material que determina a consciência" (Marx, K.).
Enquanto não houver uma mudança nas condições aviltantes e degradantes em que centenas de milhares de seres humanos são mantidos, tragédias como essas terão uma probabilidade muito alta de voltarem a ocorrer. Infelizmente!
Talvez Morpheus tenha razão em suas palavras para Neo (Matrix, 1999), quando este o pede para mostrar o mundo real. Morpheus (referência ao deus grego do sono, ou dos sonhos) então o mostra o desolado e destruído mundo real e diz: "Welcome to the desert of the real". Duas notícias: uma boa: talvez ainda não tenhamos a essa situação de absoluta tragédia;... uma ruim: bem, parece que não estamos tão distantes!
Frank Wagner - professor do IFET  Iguatu CE