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sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O mocinho contra o bandido?

 
O texto a seguir, convida ao aprofundamento sobre um discurso muito em voga na nossa sociedade:  o conflito entre o bem e o mal. Esse discurso tem permeado as falas dos políticos em todos os níveis e atinge desde a escala municipal até a globalidade. Assim, tem se dado na autoproclamada  ”luta contra o terrorismo”, nas lutas intestinas nos Estados nacionais, bem como nas lutas internas pelo poder dentro de cada país, unidade federativa e municípios.
Nosso município (Iguatu) não se isenta desta onda que vai normatizando o discurso de quem se incrusta no poder contra aqueles que se pretendem “de oposição”.  Detentores do poder se defendem das “ameaças externas” com a falácia de que “as forças do bem” (normalmente os que estão no poder) devem se unir contra as “forças do mal” (normalmente aqueles que estão fora do poder). Criam-se com isto mecanismos ideológicos, promovem-se fatos através da mídia e/ou dos boatos, gera-se toda uma onda ilusionista, que encobre os verdadeiros interesses em disputa, as visões de mundo em jogo e os projetos que se pretendem implantar na sociedade, de modo a acobertar conflitos e esconder contradições sistêmicas envolvendo todos numa  simplificação de que o conflito único e possível é o do bem contra o mal.
A simplificação das diferenças e de suas lutas inerentes leva a todos a crer que somente existem dois lados: o lado do bem e o lado do mal. Esta manipulação das diferenças incute que aqueles que se colocam contrários aos que estão no poder são todos iguais e têm os mesmos pontos de vistas, projetos e planos e por isso são todos nivelados no prato do mal da balança ou seja  do lado do mal. Isto traz sérios prejuízos ao desenvolvimento da democracia de qualquer sociedade, dentre eles podemos citar:
1.       As decisões de questões importantes para o conjunto da sociedade são atropeladas por uma maioria simples, o que não deixa de conter um certo autoritarismo, vez que deixa de lado outras visões e maneiras possíveis de encaminhar as decisões coletivas;
2.       A normalização do discurso dos vencedores  por uma maioria simples, pela força de vitórias sucessivas, tende a constituir uma maioria absoluta aumentando assim a dose de imposição de uma visão dominante;
3.       A ausência de permeabilidade nas diferentes instâncias decisórias traz embutida a desconstrução do consenso das decisões implantando em seu lugar uma unanimidade com todos os prejuízos decorrentes, inclusive criando a percepção de que aqueles que são contra esta unanimidade são eivados de um “espírito crítico” que evolui para “destrutivo” e  consequentemente igualado a maledicência, ou seja, todos aqueles que se colocarem contrários à visão dominante, passam a ser encarados como “força do mal” e pelo principio da dedução, os que estão no poder também passam a ser vistos como “força do bem”.
Bem, espero que a leitura do texto seja interessante  e traga-lhes boas reflexões sobre o momento político em que estamos mergulhados, particularmente em nosso município.

Paulo Maciel - paulomaciel69@hotmai.com


O bem e o mal na filosofia
Em crise, conceitos polarizados perderam sua essência universal entre os homens e a sociedade POR CLEBER BAESSA MESTRINER*
Parmênides de Eleia, Parmênides foi o mais influente dos filósofos que precederam Platão. Em sua doutrina se destacam o monismo e o imobilismo. Ele propôs que tudo o que existe é eterno, imutável, indestrutível, indivisível e, portanto, imóvel. Parmênides considera que o pensamento humano pode atingir o conhecimento genuíno e a compreensão. Essa percepção do domínio do "ser" corresponde às coisas que são percebidas pela mente. O que é percebido pelas sensações, por outro lado, é, segundo ele, enganoso e falso, e pertence ao domínio do não ser. Trata-se de uma oposição direta ao mobilismo defendido por Heráclito de Éfeso, para quem "tudo passa, nada permanece". Seu pensamento influenciou a chamada "teoria das formas", de Platão (Huisman, D. Dicionário dos Filósofos. São Paulo: Martins Fontes, 2001).
NIETZSCHE X PLATÃO
Aparentemente, não conseguimos nada sobre a relação entre o Bem e o Mal. Mera aparência, pois, é a partir da relação entre a Discórdia heraclitiana e do Ser parmediano que vislumbramos em Platão o afastamento primordial entre os conceitos Bem e Mal, na qual se vê uma instituição moral normativa de bondade e maldade. E para nos conduzirmos por esta linha de pensamento, assumiremos, de agora em diante, uma postura nietzschiana acerca dessa problemática.
Para Nietzsche, Platão foi o grande instituidor da metafísica do pensamento, tal qual entende o filósofo alemão. E o pensamento platônico se resumiria assim: tudo o que é deve assumir a condição de verdadeiro; a verdade é obtida quando ascendemos ao plano do suprassensível; o conhecimento verdadeiro provém da alma; o corpo (o sensível) é o ambiente que obstrui a possibilidade do conhecimento. Exposto assim, o plano do suprassensível comporta o verdadeiro, o ser, agora não somente aproximado ao conceito Bem, mas identificado com ele. O Ser se identifica com a verdade que se identifica com o Bem. Do outro lado, o sensível, âmbito apenas da opinião, do não ser, agora também não apenas aproximado ao conceito Mal, mas identificado com ele. Assim são separados dois ambientes: o mundo verdadeiro e o mundo falso; o mundo do bem e o mundo do mal. Seria essa, portanto, ante a perspectiva nietzschiana, a primeira vez em que Bem e Mal expressam, respectivamente, Ser e Não Ser (Devir). Platão, nos parece, marca o período embrionário da luta entre bem e mal na filosofia. Luta que chega à fase adulta quando do desenvolvimento do cristianismo, a chamada era medieval. Aqui temos uma nova fase do conceito. A caracterização que encontramos em Platão é sutilmente modificada para atender aos propósitos morais do cristianismo. O Bem, não apenas se identifica com o Ser, mas com Deus, um único Deus; e o Mal, agora não apenas se identifica com o Não Ser, mas com o Diabo, ou seja, com a falta de Deus. Nesse período, encontramos vários expoentes de grande importância, como Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino, entre outros, que, em sua maioria esmagadora, eram defensores do Ser=Bem=Deus e condenadores do Não Ser=Mal=Diabo (Pecado).
FÉ E RAZÃO
No período medieval, além desse sutil desenvolvimento dos conceitos Bem e Mal, vimos também o desenvolvimento de uma luta paralela a esta, que conflitava para alcançar a supremacia à ascensão ao bem supremo. Esse período do pensamento ficou marcado pelo conflito estatutário entre Fé e Razão. Não houve consenso entre os sábios da época; ainda hoje não há entre o povo. Contudo, a razão se sobressai e a fé não merece nenhum tratamento significativo quando o assunto é o conhecimento. Eis o advento da era moderna, inaugurada por Descartes, que institui o estatuto do Sujeito. Nota-se, aqui, mais uma modificação do conceito Bem e Mal. Tanto a bondade quanto a maldade não mais são procuradas em Deus ou no Diabo. Mas Bem e Mal dependem da racionalização do homem. Um homem que usa a razão pratica o bem; o que não usa, pratica o mal. Kant é o grande nome dessa fase, quando, com sua filosofia, institui o imperativo categórico, um princípio retirado da razão em suas atividades práticas, um princípio extremamente normativo. Isso significa que a razão tem a condição de nos dirigir de um modo padronizado, seguindo uma máxima universal de comportamento, enquanto um "tu deves", diferente, mas não contrário de um "eu quero". Esse "eu quero" deve ganhar um estatuto universal de dever, de ser bom para todos a partir do que é bom pra mim. Assim, o dever é sentido como algo natural, bom, e o querer que não seja um imperativo da razão prática de modo universal, que possa não ser querido por alguém em particular, deve ser evitado, não querido, pois é mal. Uma característica importante da filosofia kantiana, e que não poderíamos deixar de dizer, é que esse Bem, ou seja, esse Ser, esse Deus, não são passíveis de conhecimento como coisas em si, mas ainda é possível decidir-se por eles. O que não mais acontece com o advento do positivismo alemão. O que começa com Kant é desenvolvido e continuado por Fichte, Schelling, Hegel e Schopenhauer, porém, com outra sutil modificação conceitual. O sistema kantiano enfatizou a impossibilidade de conhecimento do mundo verdadeiro, ou seja, do Bem; o idealismo alemão confiscou qualquer ímpeto que se decidisse por esse desconhecido. Assim, o positivismo nos leva a uma espécie de depressão existencial. Todo o mundo que tínhamos pra viver, o mundo de conflito entre Bem e Mal, que não pode ser conhecido, tampouco pode ser escolhido. É o enterro vivo de qualquer resquício de fé que a razão carregava ocultamente em si.
NOVA ÓTICA
O que acontece após essa racionalização do comportamento é o que podemos chamar de inversão do platonismo, segundo a perspectiva nietzschiana que adotamos desde o início. Nota-se que todas essas modificações e caracterizações dos conceitos Bem e Mal são desenvolvimentos daquela primeira caracterização realizada por Platão. Resta, portanto, ir além de um pensamento que nos leva a considerar o mundo sob a ótica de bem contra o mal. É o que Nietzsche propõe ao escrever um livro que se intitula "Além de Bem e Mal", a supressão do Bem, ou seja, daquele mundo verdadeiro que desejava Platão. Mas não é só isso. Nietzsche também suprime o conceito Mal, o mundo falso platônico. Assim, se tanto o Bem é suprimido, deixa de existir como algo que necessariamente deva existir, o seu oposto, o Mal, também cessa sua existência. Para Nietzsche, portanto, o homem deve criar um novo jeito de dizer o mundo, uma maneira nova que vá além da dicotomia e do conflito entre algo que venha do Bem e algo que venha do Mal. Não há nada que garanta que algo seja uma bondade ou uma maldade em si, sem antes haver um conflito de interesses. O que podemos notar a partir do pensamento de Platão, é que nossas atitudes e nossa ética decidiam-se por conceitos caracterizados previamente a uma ação, sendo Bem e Mal algo já existente e norteador dessas mesmas ações. Nietzsche propõe um retorno ao pensamento que encontramos nos pré-socráticos, em que as atitudes eram avaliadas posteriormente a sua execução, e não o contrário. Assim, Bem e Mal podem ser caracterizados como algo circunstancial. Dois ou mais atos, aparentemente semelhantes, podem receber uma avaliação diferenciada, de acordo com a circunstância do acontecimento.
Podemos concluir, a partir do que foi dito, é que, para a filosofia, os conceitos Bem e Mal passam por um período de crise. Sua validade enquanto conceito se sustenta de modo circunstancial. Ou seja, Bem e Mal não são nada de absoluto, de universal. É por isso que vemos quase todos dizendo: "Estamos perdendo nossos valores", "Ninguém conserva as tradições". O que parece é que esses conceitos chegaram ao ápice de suas caracterizações e ainda assim o ser humano não se tornou "melhor" do que poderia ser. Podemos dizer ainda que antes, quando Bem e Mal eram absolutos, havia um conflito por algo declarado. Tinha-se "conhecimento" pelo o que se lutava. Hoje em dia, por sua vez, há ainda uma luta, mas não há nem mocinho, nem bandido.