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domingo, 13 de março de 2011

Onde há fumaça…. Há veneno

Aviação americana despejando agente
laranja sobre florestas do Vietnam
O uso de herbicidas vem sendo questionado há muito. O caso que se tornou ícone foi a utilização de desfolhante "agente laranja" e napalm nas florestas  do Vietnam com a finalidade de desfolhar as florestas daquele país. Vários produtos químicos usados com a finalidade de abater parte da vegetação já tiveram seu uso banido em vários países do mundo, inclusive no Brasil. Entretanto, sabe-se que muitos deles continuam sendo comercializados e aplicados indiscriminadamente em larga escala. Conhecemos entre nós o Tordon ( 2,4-Diclorofenoacético, mais conhecido como 2,4-D -  herbicida largamente utilizado contra dicotiledôneas de pastagens) e outros. O uso de tais substâncias tem seguido várias técnicas de aplicação, desde as pulverizações com bombas costais, passando pelos pulverizadores tratorizados e pela pulverização através da aviação agrícola.
Em regiões de monocultivos extensos, como é o caso do Centro Oeste brasileiro, o uso da aviação agrícola tem crescido e vem sendo usado extensamente pelo agronegócio da soja, do algodão e de outras “commodities”. Lá, são grandes áreas com espaços suficientes para atender a uma legislação precária e permissiva a respeito do uso de tais substâncias, mesmo com os efeitos colaterais sobre o meio ambiente e a saúde das pessoas. Estudos indicam o Brasil como o maior consumidor mundial de herbicidas. Destarte legislação e normas, os noticiários bem como diversas organizações ambientalistas denunciam constantemente  os desvios de conduta de certos agropecuaristas ou grandes agricultores pelo uso indevido ou em descumprimento da legislação no tocante ao uso de agrotóxicos, mormente, herbicidas pulverizadas às toneladas por aviões agrícolas que travam verdadeiros bombardeios aéreos nas áreas rurais.
Finalmente, a prática da pulverização de herbicidas via aérea chega a Iguatu (Estado do Ceará). Cá entre nós (na região de Iguatu), não vicejam os campos de soja, nem algodoais, nem qualquer outro monocultivo praticado em grande escala a exemplo de outras regiões do Brasil.
Aqui, a agricultura predomina nas pequenas propriedades. Trata-se de uma  agricultura familiar, rudimentar (arroz, feijão, banana, goiaba, milho, tudo em pequena escala), que já faz certo uso de agrotóxicos aplicados por mãos calejadas de agricultores que se envenenam a cada dia mediante o uso de bombas costais para pulverizarem suas pequenas áreas com venenos (herbicidas, fungicidas, inseticidas...todos biocidas).
Ora, se não temos as grandes áreas de monocultivos de outras regiões do país, o que vem fazer aqui um avião pulverizador de herbicidas? Por que, então, e onde ocorre a aplicação de herbicidas com aviões no nosso municipio?
Quem nos forneceu esta resposta foi o próprio piloto de um avião que tem despejado seus venenos aqui na região. Em entrevista a Radio Mais FM, o repórter J. Guedes pergunta ao Sr. André Monteiro, o que ele veio fazer em Iguatu e ele afirma:
“pulverização de pastagens com herbicidas... com um avião particular emprestado pra um empresário da cidade, o Sr. Raimundo (Raimundinho do fumo) e seus amigos”
 A resposta do piloto nos possibilita perceber que a atividade de pulverização vem sendo praticada por poucos proprietários da região que têm na pecuária seu objetivo. Por outro lado, esta pulverização  põe em risco a atividade agropastoril de muitos agricultores familiares que possuem ou plantam pequenas propriedades no entorno de algumas poucas e grandes propriedades, além do efeito residual sobre a saúde das populações que vivem nas proximidades onde são feitas estas operações.
Outra resposta do piloto,  afirmando ser uma atividade economicamente viável fazer este tipo de pulverização,  além de reforçar a racionalidade econômica de grandes proprietários, ao referir seu discurso a uma prática evidentemente fora da nossa realidade (sojicultura e cotonicultura em escala),  demonstra um total desconhecimento do nosso ambiente. Vejam as palavras dele, ao responder ao reporter se a pulverização é viável:
“é viável, é viável sim porque dependendo do tipo de plantio, uma soja ou um algodão, você não vai ter um amassamento de solo, com a utilização de aeronave. Com  o amassamento do solo você perde de 3 a 6 por cento do total da área...e  com pulverização aérea você não tem o amassamento do plantio”
Esta história contada pelo piloto teve desdobramentos posteriores, simultaneamente a entrevista citada. Agricultores da região de Cardoso I colocaram suas preocupações com perdas nos plantios de feijão e banana. Donas de casas reclamam de mortes em galinhas. Outros agricultores que estavam nas proximidades da localidade de Colosso (localizada na aba da serra do Morais – distrito de Alencar), reclamam de coceiras nos olhos e no corpo e ainda reclamam de perda nos plantios de feijão. Sobre o efeito do Tordon na saúde humana um  documento da Organização Mundial da Saúde – OMS, destaca efeitos deletérios que o composto de nome comercial TORDON pode causar à saúde humana. Dentre esses se destacam a formação de dioxinas, substâncias sabidamente cancerígenas.
Alguns apicultores também colocam suas preocupações no tocante a perda de florada apícola por conta dos resíduos espalhados na redondeza, bem como a contaminação do próprio mel. Agricultores orgânicos (Sítios Carnauba e Cardoso I) também se preocupam com a contaminação residual de sua produção, além de uma possível contaminação das águas freáticas com as quais irrigam suas hortas e lavouras bem como utilizam no próprio consumo para si e para seus animais. Neste sentido a OMS alerta para a pouca segurança ambiental do Tordon e o risco desta substancia permanecer no solo ou em microorganismos por longo tempo.
Uma outra preocupação que me vem no momento relaciona-se ao fato de que as pulverizações são feitas sobre áreas íngremes. São os serrotes típicos da região, montante próxima ao açude Orós, onde foram observadas as pulverizações (ex. Serra do Morais – Alencar). Estes acidentes geográficos dificultam os vôos rasantes próprios deste tipo de operação aérea e, consequentemente, espalham o produto por aéreas maiores do que aquelas supostamente programadas. Os efeitos deste espalhamento é obvio acarretando desfolhamento de espécies arbustivo-arbóreas nativas além do limite formalmente programado e também de cultivos circundantes  pertencentes a pequenos agricultores. Mais uma vez a entrevista  dada pelo Sr. André Monteiro, nos aponta o risco da operação. Segundo ele, a altura necessária do vôo da aeronave para não “perder o alvo”é entre 1 m e 3 m sobre o solo. Seria isso possível de ser realizado por um piloto com muita habilidade, em condições atmosféricas estáveis e em terreno de relevo plano. Quem conhece a Serra do Morais sabe perfeitamente que este não é o caso.
Agrego aqui outras perguntas que não foram feitas ao piloto mas, certamente ajudariam a elucidar o que realmente vem ocorrendo.
Existe licenciamento ambiental e receituário agronômico para uso de produtos químicos através de aviação agrícola em Iguatu?  Se existe, estaria este documento disponível para consulta pública?
Qual empresa é responsável pela pulverização de tais produtos?
Quem são os usuários da aviação agrícola no município de Iguatu?
Que produtos estão sendo utilizados (princípios ativos)?
Qual finalidade declarada (no caso de existir receituário) para o uso de tais produtos?
Qual extensão de áreas estão sendo pulverizadas?
Quais medidas de segurança são adotadas para mitigação de impactos ou contenção de acidentes?
E, para concluir, uma outra pergunta ao Sr.Marcos: o senhor acertou quantos alvos?
Paulo Maciel – Engo. Agrônomo